24.11.06

NUNCA É TARDE PARA APRENDER:


PERCEBER O PAPA COMO UM ALEMÃO MUITO ESPECIAL - UM CATÓLICO BÁVARO (UM PLEONASMO TÍPICO)


Há um ano nunca compraria este livro (de Jeanne Perego, A Baviera de Joseph Ratzinger), fosse qual fosse o seu mérito. Nunca tive muita curiosidade pelas biografias dos papas contemporâneos, antes de serem papas. Os trajectos dos papas italianos pareciam-me típicos da ascensão burocrática da institucional igreja, suporte do Vaticano.Quando eles deixaram de ser italianos, interessei-me mais, mas, como João Paulo II era polaco, uma mistura entre a história da Polónia e do Solidariedade pareciam-me chegar.

Como de costume, há aqui muita ignorância, mas a verdade é que também não havia curiosidade. Com Joseph Ratzinger as coisas são diferentes. O interesse que o papa me suscita é intelectual e cultural, não é religioso per se. Traduz um movimento, que penso ser mais vasto, de reflexão identitária sobre a Europa, sobre as raízes civilizacionais da nossa história do "Ocidente", como sinal da espécie de kulturkampf que simultâneamente o fundamentalismo muçulmano e o seu terrorismo apocalíptico, denso de atitudes culturais e civilizacionais, e o chamado "multiculturalismo" trouxeram aos nossos dias.

Ora, apercebemo-nos agora (de novo, a ignorância...), que o papa Bento XVI foi um dos intelectuais que com mais importância e influência pelo seu papel em muitos documentos da Igreja, tratou destas questões em termos teológicos, filosóficos, históricos e culturais. O papa é alemão, bávaro, e isso conta. O catolicismo bávaro, verdadeiramente católico-apostólico-romano não é igual aos outros catolicismos nacionais. É bem diferente do nosso tão proclamado catolicismo, mais popular do que burguês, anticlerical, inculto, mais fiel do que piedoso, mais temeroso do que crente, mais social do que cultural. Coisas da história e da geografia. É o que este livro nos mostra, a abrir com uma foto de Ratzinger cardeal com um copo de cerveja, na mais tímida e hierática postura imaginável, mas mesmo assim possível. E ao olhar o retrato dessas pequenas vilas e aldeias da fronteira com a Áustria, limpas, sólidas, prósperas, em que a torre da igreja é sempre a primeira coisa que se vê de longe, cheias de conventos, mosteiros, faculdades de teologia e seminários, percebe-se um comunitarismo piedoso, que nos é bastante alheio. Depois as fotografias dos Ratzinger, a casa, os dois irmãos padres para orgulho da família, tudo nos aponta para um catolicismo calmo e consolidado.

Muito da biografia de Ratzinger pode ser explicado pelo choque dessa placidez antiga, com o Mundo que encontrou lá fora, o mundo da laicidade agressiva da Europa feita por Napoleão, o mundo das perturbações de Maio de 68, tão importantes para a viragem conservadora do peritus progressista do Vaticano II.

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