Estávamos num dos primeiros dias do Verão, o sol tocava me na cara, e o calor fazia se sentir. Fomos para o jardim com as crianças, colocamos os mais novos à sombra, e deixamos os mais velhos brincar livremente com um chapéu na cabeça.
Eu estava sentada a ler, enroscada numa cadeira de lona velha, e a beber sumo de limão. Quando vi que o Pedro se aproximava de mim. Fechei o livro e pousei o sobre a mesa.
Ele estava com aquele olhar típico de uma criança de nove anos assustada e amuada, sentou-se no chão, ao lado da minha saia.
Começou a brincar com as folhas de uma flor, e ficou ali amuado e calado. Pensei que estaria zangado com um dos irmãos, e dei lhe tempo para ver o que podia fazer.
Acabei o sumo de limão, e dei-lhe uma festa na cabeça.
Ele olhou para mim e disse-me:
- Eu nunca vi Deus – e fez aquele olhar triste que eu contemplara há pouco.
Espantada e atordoada pela pergunta inesperada disse-lhe:
- Nunca viu Deus?
- Sim, Mãe nunca O vi como a vejo, todos falam de Deus, e ainda hoje de manhã a D.Alice falou de Deus como se o sentisse ao seu lado a dar-Lhe a mão, e eu nem vê-Lo consigo.
Percebi que estava angustiado, e que sentia uma enorme tristeza porque se achava “pior” que os outros, por não O ter visto.
- Oh Pedro mas Deus não se vê como nós nos vemos. Deus esta em todo o lado, esta dentro de si e de mim, e dos seus irmãos, e da D.Alice, do Sr.Manel, de todos.
Deus faz-se sentir. – disse-lhe confiante e julgando que com aquela frase de Deus estar em todo o lado tinha acabado com as duvidas do meu pequeno benjamim.
- Sim Mãe eu sei, mas como é que sei se Ele existe se eu nunca O vi, com os meus dois olhos?- perguntou-me e corou subitamente provavelmente porque pensara que eu ia ficar incomodada com o facto de ele, estar a pôr em causa a existência de Deus, Nosso Pai.
Levantei-me, e dei-lhe a mão, caminhamos até ao cume mais alto da casa, onde o vento é tão forte que eu tinha de agarrar o meu saiote com ambas as mãos.
Quando uma rajada de vento se fez sentir, o Pedro berrou:
- Mãe esta muito vento aqui!
- Eu sei, vamos descer.
Chegados ao jardim disse-lhe:
- Oh Pedro alguma vez viu o Vento?
Ele parou, e ficou a olhar para mim espantado com a pergunta ridícula que lhe fizera.
- Claro que não o Vento não se vê!- e riu-se.
Então eu disse-lhe:
- Mas se nunca o viu como sabe que há vento?
Ele olhou para o chão, agarrou uma flor e respondeu-me:
-Porque vejo o que ele faz, porque sinto ele a passar por mim.
- Faz o quê?- insisti.
- Faz a saia da Mãe voar, os vasos abanarem, os cabelos ficarem despenteados…
Baixem-me até ficar ao nível da cabeça dele e disse-lhe:
- Deus age como o Vento, nós não precisamos de O ver, com os nossos olhos para saber que Ele existe, porque nós vemos O que Ele faz, Ele age através das pessoas, tal como o vento abana tudo, Deus através do Espírito Santo intercede junto das pessoas, e é pelas suas acções que O vemos tão presente. Como quando alguém ajuda outro, ou um sorriso inesperado, ou aquele abraço tão forte que nos dão, são tudo gestos de Deus.
Pela primeira vez naquele dia o Pedro sorriu-me, e abraçou-me.
Passaram mais de cinquenta anos desde aquela tarde, hoje estou sentada na escrivaninha do meu quarto à espera que me venham buscar para ir à missa.
Gosto muito de ir à missa especialmente quando é celebrada pelo meu filho, o Padre Pedro, não é que seja melhor ou pior que as outras missas, mas gosto de ver o meu filho explicar às crianças que O sente, que Deus é como o Vento não se vê mas sente-se e age através dos outros, porque nos ama imensamente.
No blog: Estórias da carochinha
1 comentário:
Realmente o texto é edificante!
Gostei demais. Não há o que acrescentar! Só a meditar!
abraços
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