1.8.07

A Espiritualidade das Catacumbas



(1ª Parte)

Parecia ao desconhecido cristão dos primeiros tempos, que peregrinava na vasta necrópole calistiana, ter entrado na mística Jerusalém, na cidade que se tornara púrpura pelo sangue dos mártires e refulgente da sua glória. Ao sair, ele gravou de forma elegante, numa parede, estas palavras que ainda hoje podem ser lidas: "JERUSALEM CIVITAS ET ORNAMENTUM MARTYRUM DEI...": "Jerusalém, cidade e ornamento dos mártires de Deus".O peregrino de hoje, igualmente, entrevê nas catacumbas com espírito comovido o segredo íntimo da espiritualidade daqueles pontífices mártires, daquelas virgens e daquela inumerável multidão de desconhecidos cristãos.As inscrições e pinturas, supérstites a tantas devastações e depredações, revelam esse segredo, ao menos em parte, e ainda repetem as palavras de um antigo epitáfio cristão: "Tàuta o bìos": "Esta é a nossa vida".
A espiritualidade das catacumbas é a mesma da Igreja primitiva em sua juventude de conquistas e de martírio. Nutrida pelo cerne das escrituras, simples e poderosa, ela é a irmã das mais antigas liturgias, e assim o visitante das catacumbas bebe nas fontes da espiritualidade cristã.São vários os aspectos dessa espiritualidade:

Espiritualidade cristocêntrica

Essa espiritualidade coloca Jesus Cristo como a figura dominante. Aquilo que o sagrado Coração de Jesus, quer dizer, o sinal da bondade de Cristo é para o católico de hoje, para o cristão antigo era o Bom Pastor. Entre as representações das catacumbas essa é a mais freqüente; está pintada nos tetos, entre ricas decorações floreais, gravada toscamente nas placas sepulcrais, modelada em relevo sobre os sarcófagos e, enfim, esculpida com grega elegância numa das mais antigas estátuas cristãs que se conheçam (séc. 4º, Museus Vaticanos).

O cordeiro que repousa sobre seus ombros, seguro com força pelas mãos do pastor é o cristão (ao lado foto da catacumba de São Calixto, sec. III, Roma). Tudo ao redor respira a atmosfera de confiança que fazia Paulo exclamar: "quem haverá de separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome?" (Rm 8,35). O Salvador é freqüentemente representado em ação no meio dos homens: nos baixos-relevos ou nas paredes vê-se Jesus que toca os olhos ao cego ou que faz Lázaro ressuscitar do túmulo, que multiplica os pães ou muda a água em vinho: é o Cristo que passa fazendo o bem.Vêm, depois, os símbolos. Talvez as representações mais significativas sejam aquelas em que Cristo aparece sob o véu de um símbolo. Antes de Constantino, quando a cruz era usada todos os dias como patíbulo de escravos e de estrangeiros, o cristão cobria piedosamente o seu aspecto repelente com alguns símbolos, como, por exemplo, a âncora e o peixe. Ao lado de Jesus, os cristãos das catacumbas gostaram de representar, com afeto filial, a sua Virgem Mãe. Já nos inícios do séc. 3º, nas Catacumbas de Priscila, a figura suave de Maria, que segura Jesus junto ao seio, enquanto o profeta Balaão indica a estrela que resplende acima de sua cabeça. E ainda a Virgem que mantém o Filho nos braços, enquanto os Magos aproximam-se para oferecer os seus presentes. A adoração dos Magos é repetida nas várias catacumbas em pinturas, esculturas e outros objetos preciosos (reliquiários, marfins, pingentes, anéis).

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