1.11.06
O papel das emoções
As opiniões sobre o aborto, de um e outro lado, assumem muitas vezes um carácter marcadamente emocional. Partem de emoções e/ou pretendem suscitar emoções.
Os defensores de um debate mais racional, tendem a afastar-se deste tipo de argumentação, centrando a discussäo em questões de princípio bioéticas, jurídicas ou filosóficas.
No entanto, se há momento em que as emoções jogam um papel decisivo, é quando uma mulher tem de tomar esta decisão terrível, perante o facto consumado de uma gravidez: abortar ou não abortar.
E perante o Referendo, no momento de votar SIM ou NÃO, a perspectiva emocional de abordagem do problema é também decisiva.Convém, portanto, não menorizar a componente emocional, quer no contexto da decisão de interromper ou não a gravidez, quer na adesão a um ou outro sentido de voto na próxima consulta popular.Por agora, centremo-nos neste segundo aspecto.
A emoção, como a raíz do termo indica, é o que "nos move para". As emoções são, portanto, a matéria prima da motivação e é esta que leva à acção. Podemos, assim, dizer que a emoção é um ingrediente primário e fundamental da acção. Em que é que isto se relaciona com o presente debate?
Boa parte da argumentação em favor do SIM pretende, directa ou indirectamente, criar uma empatia com a figura da mulher envolvida. Desde a referência às consequências do aborto clandestino, até à inquietante injustiça de ver a mulher que abortou sujeita a uma pena de prisão, todo o discurso apela a uma empatia com a mulher. E, claro, quem não se comove diante do sofrimento humano, sobretudo se contextualizado num quadro de pobreza, marginalidade e impotência?
Do outro lado, muitos dos que defendem o NÃO, procuram centrar essa empatia no ser gerado. Daí a importância dada a fotografias de fetos onde se descortine já, com nitidez, a forma humana; o recurso a termos como bébé, criança, pessoa, que escapem à frieza científica das células, zigotos e embriões, bem como um permanente apelo aos nobres sentimentos de carinho, simpatia, ternura e cuidado pelo mais fraco e desprotegido.
Uns e outros sabem, mesmo que inconscientemente, que o sentido de voto se inclinará para o lado onde se centrar empatia de cada um.Neste campo, os defensores do SIM têm uma vantagem nada desprezível: podem apresentar uma mulher concreta, que se pode exprimir e que é protagonista de relações emocionais; que ama e é amada; que pode ser conhecida e com a qual se pode estabelecer uma relação empática. Que se pode olhar nos olhos e perceber o que sente, precisa e deseja.A desvantagem dos defensores do NÃO é o facto de o embrião ser ainda um "ser oculto", sem laços estabelecidos, com o qual é mais difícil criar empatia. Ainda não se pode olhar nos olhos para se perceber, emocionalmente, como pessoa.
Apetece aqui invocar Levinas, sobre a importância fundamental deste "olhar nos olhos do outro" para se descobrir, diante de nós, uma pessoa inteira, digna de respeito e possuidora dos mesmos direitos.
Mas a verdade é que essa pessoa está lá. E é, além disso, o elemento mais frágil; digno, portanto, não só da nossa empatia, como do nosso instinto/dever protector.
No blog: Razões do Não
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1 comentário:
Gostei deste post. Acho que está feito com muita inteligência.
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