15.11.06
Aborto: o crime estará mesmo na lei?
A retórica favorável ao sim no referendo ao aborto afirma-se cheia de respeito e clemência pelas mulheres, invocando que pretende poupá-las à violência do aborto clandestino para o qual são empurradas… No entanto, creio que este argumento é, em absoluto, carente de sentido. Ora vejamos: há entre os defensores do “sim” dois grandes grupos:
a) por um lado, há o grupo mais vasto dos que defendem a liberalização do aborto como modo de contracepção (há aspectos ridículos nesta expressão, pois só com muito boa-vontade podemos chamar contracepção à morte de um feto com 10 semanas). O mote deste grupo é o célebre slogan o corpo é meu, a decisão também. Estes militantes são, inegavelmente, pró-aborto: com ânimo leve, defendem que o aborto é um direito. Custa-me vê-los invocar o sofrimento real das mulheres que foram empurradas para o aborto clandestino como argumento do seu discurso libertário: a sua campanha não é a das mulheres obrigadas a abortar um filho que não podem ter; é a das mulheres que pretendem abortar uma criança que não querem ter.
b) por outro lado, temos o grupo mais restrito dos que, sinceramente, defendem que a lei deve ser compreensiva com as mulheres que se encontraram com uma situação limite. Para estes, o aborto não deve ser encarado de ânimo leve: as mulheres são empurradas para o aborto por circunstâncias que, normalmente, lhes são exteriores: um parceiro que não quis assumir a paternidade, um patrão que ameaçou com o despedimento ou uma situação económica desesperada, etc... No entanto, invocar a despenalização nestes casos é uma estratégia extremamente arriscada, pois uma lei restritiva do aborto é a melhor garantia da mulher: perante o parceiro, o patrão ou a pobreza, a mulher está protegida por uma lei que a proíbe de abortar. Destruída essa lei, a tirania do parceiro, do patrão ou das circunstâncias será inexorável; e o aborto, que antes era um recurso extremo e brutal, passará a ser encarado como uma alternativa próxima e razoável.
Ironicamente, supondo proteger as mulheres, os defensores do sim estão a colocá-las sozinhas perante o dilema do aborto. E os defensores do não, parcendo implacáveis com elas, estão a criar alternativas para que possam contar com alguém quando, apesar das circunstâncias adversas, pretenderem prosseguir do lado da vida: a sua e a da criança que foi concebida no seu seio.
No blog: Catacumbas
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